Pia Quagliato, Giovana Giosa, Luiza Giurni, Amanda Castro e Gabriela Mestriner. Cortesia de Vestigare Agency
A arquitetura se constitui tanto na materialidade dos espaços quanto na forma como é percebida, discutida e registrada. O discurso arquitetônico, suas mediações e representações são partes inseparáveis do ato de projetar, pois definem o alcance e a permanência da obra no tempo.
A partir dessa compreensão, a Vestigare Agency surge como uma agência de mídias sociais direcionada para arquitetura e design, mas também como um espaço de curadoria arquitetônica e uma ponte entre arquitetos e um público mais amplo. A plataforma, criada e liderada por Luiza Giurni, se estabelece como uma nova instância de comunicação na arquitetura contemporânea e destaca, entre suas parcerias, uma construção coletiva estabelecida a partir da colaboração com arquitetas mulheres.
Playtime movie (Jaques Tati 1967) . Image via screenshot
Espera-se que a crítica de arquitetura e o jornalismo anunciem “o bom, o ruim e o feio” na arquitetura e no ambiente construído. Seus propósitos, porém, vão além disso. Como disse Michael Sorkin, “vendo além da novidade brilhante da forma, é papel da crítica avaliar e promover os efeitos positivos que a arquitetura pode trazer à sociedade e ao mundo em geral”. Em outras palavras, ao nos dizer o que estão vendo, os críticos também estão nos mostrando onde olhar para identificar e abordar os problemas que assolam nosso ambiente construído.
O campo do jornalismo de arquitetura tem sido liderado por escritoras mesmo em tempos nos quais que a busca pela carreira na arquitetura era desencorajada e inacessível para as mulheres. Ada Louise Huxtable estabeleceu a profissão de jornalista de arquitetura ao ocupar o primeiro cargo em tempo integral de crítica de arquitetura em um jornal americano de interesse geral. Em 1970, ela também recebeu o primeiro Prêmio Pulitzer de crítica. Esther McCoy começou sua carreira como desenhista em um escritório de arquitetura mas, por causa de seu gênero, foi desencorajada a se formar como arquiteta profissional, apesar de suas ambições de se especializar na área. Através de seus escritos, ela conseguiu chamar atenção para a cena arquitetônica negligenciada da costa oeste americana e defender os valores do modernismo regional.
Há alguns meses, a arquiteta francesa Renée Gailhoustet ganhou o Prêmio de Arquitetura da Royal Academy 2022. Como Paris e outras cidades francesas continuam enfrentando desafios habitacionais até hoje, Gailhoustet foi uma escolha oportuna. Seu trabalho nos subúrbios de Paris na década de 1960 continua sendo um exemplo convincente de uma abordagem de habitação social que, ao mesmo tempo, abraça a comunidade e tem uma forma única.
Embora exista mais equilíbrio entre o número de mulheres e homens na arquitetura atualmente, a paisagem era bem diferente há algumas décadas. As mulheres pioneiras arquitetas tiveram que resistir em uma profissão dominada por homens e enfrentaram ceticismo em contextos desafiadores, como os próprios canteiros de obra. Zaha Hadid comentou sobre a dificuldade de inclusão no que chamou de "Boys Club", listando as dificuldades em chegar a acordos ou criar parcerias. Lina Bo Bardi, por sua vez, usou sua forte personalidade para superar o machismo de seu tempo. Embora com essas dificuldades, algumas mulheres sempre encontraram uma maneira de se destacar e trazer contribuições inestimáveis à profissão.
Em diversas ocasiões, lembramos de arquitetos famosos e suas descobertas materiais ao longo do tempo. Mas que tal reconhecer as contribuições das mulheres para a disciplina? Discutir suas explorações materiais pioneiras é essencial para entender seu papel nos projetos. Com uma análise do trabalho das conhecidas arquitetas Lina Bo Bardi, Norma Merrick Sklarek e Zaha Hadid - que introduziram técnicas inovadoras e tendências materiais - a discussão a seguir traz à luz como as ideias das mulheres influenciaram o desenvolvimento da arquitetura. Identificar suas abordagens sobre como gerenciar estruturas e materiais ajuda a entender a personalidade de seu trabalho e como implementar estratégias semelhantes no futuro.
Em 21 de janeiro de 1958, três mulheres participaram como competidoras em um episódio do popular programa de televisão “To Tell the Truth”, um jogo de perguntas em que se tentava adivinhar quem era cada um dos competidores. O apresentador revela que se trata de uma arquiteta, que ela já projetou um hotel Hilton, é casada e mãe de quatro filhos. Cada uma das mulheres, vestida formalmente com saias lápis e blusas, se apresenta como Natalie De Blois. Enquanto os palestrantes revelam sua falta de conhecimento sobre arquitetura, apenas disparando perguntas sobre Frank Lloyd Wright, pergunta-se “Qual é o nome do prédio que foi demolido para construir a Union Carbide?” A verdadeira Natalie De Blois, na época arquiteta sênior da SOM, responde com firmeza: “Hotel Margery”.
Quando pensamos em mulheres que foram conhecidas como pioneiras da indústria, é surpreendente que muitas vezes falamos sobre aquelas com quem pudemos interagir no cotidiano de trabalho ou com quem tenhamos aprendido algo. Natalie De Blois foi uma pioneira moderna das mulheres arquitetas na força de trabalho e, embora seu legado tenha começado há apenas setenta anos, mudou significativamente a maneira como as mulheres podem participar da profissão hoje.
Um conjunto de países do sul da Ásia experimentou em meados do século XX uma catarse coletiva do domínio colonizador. O período seguinte desencadeou em uma era de ideias e filosofias para um novo futuro. Durante este tempo, os arquitetos foram fundamentais na criação de estruturas modernistas que definiram as identidades pós-coloniais, pós-partição e pós-imperiais dos países. Arquitetos do sul da Ásia usaram o design como expressão de uma visão social de esperança. Mesmo com este sucesso na construção da nação, as mulheres arquitetas não são creditadas na formação da história do sul da Ásia.
“Um dos primeiros resultados que encontrei quando estava pesquisando sobre arquitetura feminina no Google foi um arranha-céu na Austrália, cujos arquitetos disseram ter se inspirado nas curvas de Beyoncé quando o construíram”, narrou a arquiteta holandesa Afaina de Jong em sua última palestra do TEDxAmsterdamWomen em 2021. “É sério? O corpo dela? Beyoncé? Claro, ela é incrível, mas literalmente traduzir seu corpo em um prédio... Isso é arquitetura feminina?”, continuou ela, indignada.
De Jong é fundadora do estúdio AFARAI, onde trabalha com uma metodologia interdisciplinar combinando teoria e pesquisa com design. Ela considera seu ateliê “uma prática feminista que incentiva a mudança em questões sociais e espaciais e que acomoda as diferenças”, então Afaina provavelmente está familiarizada com o conceito de 'interseccionalidade'.
O Prêmio Pritzker é o reconhecimento mais importante que um arquiteto(a) pode receber em vida. A honraria é outorgada todos os anos a arquitetos e arquitetas cuja obra construída "tenha produzido significativas contribuições para a humanidade ao longo dos anos", segundo explica a própria organização responsável pela premiação. Por esta razão, o júri presta homenagem a pessoas e não a escritórios, como já aconteceu em 2000 (Rem Koolhaas ao invés do OMA), 2001 (Herzog & de Meuron), 2010 (SANAA), 2016 (Elemental) e 2017 (RCR Arquitectes), premiando seus fundadores (como no caso do SANAA), o então, um deles (Elemental).
No início de 2018, a arquiteta e palestrante da Bartlett School of Architecture, Neba Sere, guiou um painel de discussão na Architecture Foundation de Londres, onde ela era uma das seis jovens curadoras. O tema: começos. Como abordá-los, avançar e transformá-los em algo duradouro. Seis anos depois, ela olha para o evento como o início de sua própria jornada: foi onde conheceu Selasi Setufe e criou o grupo do WhatsApp que se transformaria na Black Females in Architecture (BFA), uma rede global com 500 pessoas dirigida por elas e pela arquiteta Akua Danso.
A BFA surgiu como resposta à necessidade de visibilidade das mulheres negras e pessoas que se identificam como mulheres na arquitetura e no ambiente construído. No ano passado, o grupo comemorou seu quinto aniversário com a exibição de um curta-metragem e um painel de discussão na Bienal de Arquitetura de Veneza. Agora, após estabelecer as bases de disseminação de informações sobre a falta de diversidade e igualdade na indústria e aumentar seus números, a BFA está se preparando para impulsionar mudanças reais.
Cortesia de Jen Lewin, Foto de Brendan Burkett / The Pool
A luz desempenha um papel essencial no mundo do design de interiores, mas também pode criar espaços públicos imersivos. Enquanto James Turrell, Olafur Eliasson e Dan Flavin são celebrados por sua maestria na transformação de cores, reflexos e contrastes luminosos, é importante notar que o campo da iluminação artística não é exclusivamente dominado por homens. Em resposta à falta de representação de artistas femininas na área da luz, uma perspectiva inovadora e esclarecedora surge dos designers de iluminação britânicos Sharon Stammers e Martin Lupton, do Light Collective.
Após a criação da plataforma "Women in Lighting", o livro delas intitulado Women Light Artists dá um passo audacioso ao nos apresentar 40 mulheres criativas cujo trabalho irradia engenhosidade e brilho. O livro oferece uma variedade de projetos fascinantes, que vão desde piscinas interativas até a dança das sombras coloridas da luz do dia sobre uma ponte em Londres, da projeção tranquila em um marco icônico de Berlim até o arco-íris vibrante que se curva sobre o horizonte de Manhattan. Cada obra incorpora um diálogo único entre luz e espaço. Essa jornada luminosa presta uma valiosa homenagem ao poder das mulheres artistas que, por muito tempo, ficaram nas sombras.
O que é arquitetura? São projetos grandiosos com estruturas complexas, desafiando as leis da física? São edifícios simples e cotidianos que, quando reunidos, criam o tecido urbano? Em meados do século XVIII, Laugier introduziu o conceito de cabana primitiva, uma estrutura, essencialmente uma casa, projetada e construída para atender às necessidades básicas do ser humano primitivo: abrigá-lo das intempéries da natureza. Qualquer estrutura que atenda a esses requisitos seria considerada uma arquitetura autêntica. Porém, desde então, nossas necessidades evoluíram e estão muito mais elaboradas, principalmente quando se trata de nossas casas. Elas precisam oferecer abrigo, segurança, conforto térmico e espaços amplos. As nossas casas devem ser econômicas, sustentáveis e ter acesso à Internet, entre muitos outros pré-requisitos. Então, como seria a casa ideal do ser humano contemporâneo e, portanto, a "verdadeira" arquitetura?
The Science of a Happy Home Report, relatório realizado por Resi primeiro em 2020 e novamente no pós-pandemia de 2023, procurou descobrir exatamente quais elementos as pessoas acreditavam constituir o definitivo lar feliz. Os resultados foram seis qualidades proeminentes: uma casa que é adaptável para atender às nossas necessidades em constante mudança, uma casa que nos permite conectar e construir relacionamentos, uma casa que reflete a nossa personalidade e valores, uma casa nutritiva que fornece as condições que precisamos para prosperar (ou seja, qualidade do ar), uma casa que nos ajuda a relaxar e uma casa que oferece segurança e nos faz sentir seguros. Essas necessidades, no entanto, não estão sendo atendidas na maioria dos lares do Reino Unido, e é aí que entra a Resi.
Como parte da 6ª edição do “Time Space Existence”, o Centro Cultural Europeu (ECC) apresentou a exposição “Reconceptualizing Urban Housing”. Aberta ao público de 20 de maio a 26 de novembro de 2023, ela reúne uma variedade de escritórios de arquitetura liderados por mulheres de todo o mundo, cada um oferecendo uma perspectiva única sobre habitação coletiva, especialmente em ambientes urbanos. Os projetos em destaque apresentam abordagens da Europa, América do Norte e países em desenvolvimento como Uganda, Malásia e México.
Yasmeen Lari, reconhecida como a primeira arquiteta do Paquistão, teve um impacto significativo tanto em seu país de origem quanto internacionalmente devido à sua abordagem inovadora e socialmente consciente em relação à arquitetura. Através de uma visão sistemática, o trabalho de Lari leva em consideração a cultura local, as oportunidades específicas da região e os desafios. Nascida no Paquistão em 1941, Yasmeen Lari mudou-se para Londres com sua família aos 15 anos. Depois de se formar na Oxford Brooks School of Architecture, ela voltou ao Paquistão aos 23 anos para iniciar a Lari Associates com seu marido, Suhail Zaheer Lari. O casal se estabeleceu em Karachi. Ali, ela começou a estudar as cidades antigas do Paquistão e a arquitetura vernacular de terra, despertando seu interesse pelo patrimônio arquitetônico e pelas técnicas tradicionais de seu país. Em 1980, ela cofundou a Heritage Foundation of Pakistan com seu marido, uma fundação ativa na preservação do rico patrimônio cultural do Paquistão.
O Prêmio de Diversidade em Arquitetura (DIVIA) foi concedido à arquiteta italiana Marta Maccaglia, fundadora do Semillas, por seu compromisso com a construção educativa no Peru. Este reconhecimento internacional, junto do prêmio de 20.000 euros, tem como objetivo promover a visibilidade das mulheres na indústria da arquitetura. Entre as cinco finalistas desta edição estavam Tosin Oshinowo (Nigéria), May al-Ibrashy (Egito), Noella Nibakuze (Ruanda) e Katherine Clarke e Liza Fior (Reino Unido).
O Chulah paquistanês de Yasmeen Lari — um fogão ao ar livre usado por mulheres no sul da Ásia — é uma intervenção poderosa que destaca o compromisso da arquiteta com o ativismo feminista e ambiental. O projeto aborda simultaneamente questões de desmatamento, poluição e riscos à saúde enfrentados por mulheres em áreas rurais. Seu design é sistêmico, localmente específico e consciente das necessidades dos mais vulneráveis na sociedade: mulheres e natureza. Seu vasto corpo de trabalho humanitário elaborado em Yasmeen Lari: Architecture for the Future, abre diálogo para ver a arquitetura através da lente ecofeminista.
Guadalupe Marín con sus hijas, Ruth, a la izquierda, y Guadalupe,1939. Foto vía Un día, una arquitecta. Image Cortesía de coolhuntermx
Escrever sobre a participação de mulheres arquitetas ou no campo da construção civil é complexo. Hoje, conhecemos mulheres arquitetas contemporâneas que são multi-premiadas e reconhecidas, no entanto, olhar para o passado faz dessa perspectiva um espaço escuro e solitário.